Liberdade Sindical

11/06/2020

Conheça alguns dos principais conceitos de liberdade sindical


LIBERDADE SINDICAL E A CONVENÇÃO 87 DA OIT

Tem-se que a universalização dos direitos sindicais pode ser considerada como um dos objetivos da Organização Internacional do Trabalho.[1]

Pode-se mencionar que, já na Convenção n.84 da OIT, de 1947 (que tratava do direito de criação de associações limitadas ao âmbito dos territórios não-metropolitanos), evidenciava-se, muito embora não de maneira expressa, a preocupação com a garantia de liberdade de associação para fins sindicais. Dispunha o artigo 2º do mencionado dispositivo legal que

Dever-se-á garantir, por meio de disposições apropriadas, o direito de empregadores e de trabalhadores se associar para qualquer fim lícito[2]

A Convenção 87 da OIT, aprovada em 17.06.1948, na 31ª Conferência Internacional do Trabalho, em São Francisco, é considerada até os dias atuais como a mais importante convenção no âmbito do Direito Sindical, tendo em vista que consagrou em seu texto o princípio da liberdade sindical.

Tal convenção, a despeito de ter sido ratificada pela maior parte dos Estados-membros da OIT, não foi ratificada pelo Brasil, isto em decorrência de certas disposições presentes na Constituição Federal de 1988 que a tornam incompatível com uma plena efetivação do princípio da liberdade sindical no ordenamento jurídico pátrio.

Vale mencionar, outrossim, que a mencionada Convenção 87, juntamente com a Convenção 98 da OIT (1949), que trata do direito de sindicalização e da negociação coletiva, visam proteger a autonomia das organizações sindicais, vedando qualquer intervenção externa à gestão destas, visando também proteger o direito dos trabalhadores e buscando promover a realização de negociações coletivas, sendo estes, portanto, os principais documentos da OIT em matéria de direito sindical atualmente.


Diferentes conceitos de liberdade sindical

Inicialmente, cumpre esclarecer o que seria o princípio da liberdade sindical, previsto no artigo 2º da Convenção n. 87 da OIT. Vejamos, dispõe o mencionado artigo que

Art. 2º. Os trabalhadores e os empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações, com a única condição de observar os estatutos das mesmas.[3]

Nesse sentido, explica Cássio Mesquita Barros que

a Convenção n.87, sobre liberdade sindical e direito de sindicalização, que consagrou o direito dos trabalhadores e empregadores de se associarem e de se filiarem livremente às entidades sindicais que entendessem convenientes à defesa de seus interesses. A Convenção, como corolário, assegura o direito de redigirem seus estatutos e regulamentos administrativos, elegerem seus dirigentes, vedada qualquer intervenção da autoridade pública que possa impedir ou dificultar o exercício das liberdades aludidas.[4]

Pois bem, diversos autores, tanto nacionais, quanto internacionais, trazem definições do que seria a mencionada liberdade sindical. Desse modo, de rigor a transcrição de alguns dos principais conceitos atinentes à mencionada liberdade.

De acordo com os ensinamentos de José Augusto Rodrigues Pinto, a liberdade poderia ser considerada como elemento central do sindicalismo, isto é, o mesmo afirma que

a liberdade, o mais nobre sentimento do ser racional, consolidado na consciência do 'poder de agir, no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas'.[5]

Nesta esteira, Vólia Bonfim Cassar, entende que

O princípio da liberdade sindical é a espinha dorsal do Direito Coletivo representado por um Estado Social e democrático de direito. É um direito subjetivo público que veda a intervenção do Estado na criação ou funcionamento do sindicato.[6]

Ainda na mesma linha de pensamento, José Francisco Siqueira Neto, afirma que a liberdade sindical seria:

na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais, componente essencial das sociedades democráticas-pluralistas.[7]

Ademais, define Antonio Ojeda Avilés a liberdade sindical como sendo

o direito fundamental de trabalhadores em agruparem-se estavelmente para participar da organização das relações produtivas.[8]

Merece destaque, outrossim, o posicionamento de Oscar Ermida Uriarte, o qual afirma que

Atualmente, já está fora de discussão a afirmação de que a liberdade sindical é um dos direitos humanos fundamentais, e, além disso, integrante dos direitos sociais, componente essencial de uma sociedade pluralista e justa.

Do ponto de vista jurídico-formal, tal categorização da liberdade sindical como um dos direitos fundamentais da pessoa humana se reflete em sua inclusão no correspondente capítulo sobre direitos e garantias nas respectivas constituições nacionais; ganharam, porém, caráter universal a partir da contemplação por várias declarações de direitos e normas internacionais.

Assim, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1966), várias Declarações Americanas, o Preâmbulo da Constituição da OIT e a Declaração as Filadélfia (OIT, 1944), tal como a Carta Social Europeia e diversas declarações internacionais.[9]

Assim, de maneira inicial, é possível inferir a importância da liberdade sindical como princípio balizador do Direito Coletivo do Trabalho, observando-se, outrossim, sua natureza de direito fundamental.

Numa linha de conceituação mais técnica, Amauri Mascaro Nascimento trabalha a definição de liberdade sindical sob diversos aspectos. O mesmo afirma que

A expressão liberdade sindical tem mais de um significado. O primeiro é metodológico. Significa um critério de classificação dos sistemas sindicais, comparados desde suas origens históricas até o período contemporâneo. Esses sistemas podem ser avaliados segundo dimensão que foi dada à liberdade sindical. Liberdade sindical tem uma função epistemológica, didático-expositiva do Direito Sindical, um referencial de estudo. Sob esse prisma - a garantia ou não da liberdade sindical num sistema jurídico -, os ordenamentos jurídicos são avaliados em sistemas com ou sem liberdade sindical. O segundo é conceitual. Nesse sentido discute-se o que é a liberdade sindical, quais os valores que a presidem, seu alcance, características, manifestações e garantias, que devem ser estabelecidas, para que, como princípio jurídico, cumpra sua função, preservadora ou retificadora dos desvios, da lei ou da autoridade pública. O terceiro é coletivo, sistêmico, liberdade sindical na acepção coletiva, como liberdade de associação, de organização, de administração e exercício das funções. O quarto é individual, liberdade assegurada a cada pessoa de se filiar ou de desfiliar-se de um sindicato.[10]

Nascimento também discorre sobre o conceito de liberdade sindical sob a ótica da liberdade de formação, de forma que esta seria uma

Manifestação do direito de associação. Pressupõe a garantia, prevista no ordenamento jurídico, da existência de sindicatos. Se as leis de um Estado garantem o direito de associação, de pessoas com interesses profissionais e econômicos, de se agruparem em organizações sindicais, essas serão leis fundantes da liberdade sindical. Assim a liberdade sindical, no sentido agora analisado, caracteriza-se como o reconhecimento, pela ordem jurídica, do direito de associação sindical, corolário do direito de associação, portanto, liberdade sindical, nessa perspectiva, é o princípio que autoriza o direito de associação, aplicado no âmbito trabalhista.[11]

Nesta mesma toada, Alfredo J. Ruprecht afirma que se trata

do direito de todo trabalhador ou empregador livremente se associar ou deixar de se associar ou se desligar livremente da associação constituída para a defesa de seus direitos e interesses profissionais e do pleno exercício das faculdades e ações para a realização desses fins.[12]

Ainda, Gilberto Sturmer conceitua liberdade sindical como sendo

o direito de trabalhadores, entendidos como tal empregados, empregadores, autônomos e profissionais liberais, de livremente constituírem sindicatos; de individualmente ingressarem e saírem dos sindicatos conforme seus interesses, sem limites decorrentes da profissão à qual pertençam; de livremente administrarem as organizações sindicais, constituírem órgãos superiores e de associarem-se a órgãos internacionais; de livremente negociarem sem qualquer interferência do Poder Público (Executivo, Legislativo ou Judiciário); e de livremente exercerem o direito de greve, observadas as formalidades legais; tudo isso sem limitação de base territorial e num regime de pluralismo, sendo sistema financiado única e exclusivamente pelas contribuições espontâneas por eles mesmos fixadas.

A liberdade sindical individual envolve a constituição de sindicatos, o ingresso e saída do sindicato e o exercício do direito de greve.

A liberdade sindical coletiva abrange a constituição de sindicatos, a constituição de órgãos superiores, a filiação a organizações internacionais, negociação coletiva e o exercício do direito de greve.

Finalmente, a liberdade em face do Estado engloba a constituição de sindicatos, o enquadramento sindical, a administração interna, a constituição de órgãos superiores, a filiação a organizações internacionais, a unicidade/pluralidade sindical, a contribuição sindical compulsória e o poder normativo da Justiça do Trabalho.[13]

O autor também explica que

A liberdade de realizar uma determinada ação (por exemplo, criar um sindicato) é uma liberdade negativa, ou seja, há o fato negativo de não ser determinado algum limite e o fato positivo de autodeterminação para a realização da ação.

Na Liberdade positiva, obedecer à norma (por exemplo, o limite da unicidade sindical), é obedecer à própria vontade.

Na Liberdade negativa, a sociedade ideal entre os indivíduos dar-lhes-ia a plena liberdade, ao contrário da liberdade positiva, onde o limite seria as regras de associação desses mesmos indivíduos.[14]

Da mesma forma, Arnaldo Sussekind discorre sobre a liberdade sindical no sentido de que

Deduz-se do direito comparado, inspirado sobretudo nos princípios consubstanciados na convenção da OIT n.87 (Genebra, 1948) e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais da ONU (Nova York, 1966), que a liberdade sindical deve ser vista sob um tríplice aspecto:

· liberdade sindical coletiva, que corresponde ao direito dos grupos de empresários e de trabalhadores, vinculados por uma atividade comum, similar ou conexa, de constituir o sindicato de sua escolha, com a estruturação que lhes convier;

· liberdade sindical individual, que concerne à liberdade de organização interna e de funcionamento da associação sindical e, bem assim, à faculdade de constituir federações e confederações ou de filiar-se às já existentes, visando sempre aos fins que fundamentam sua instituição

· autonomia sindical, que concerne à liberdade de Organização interna e de funcionamento da associação sindical e, bem assim, à faculdade de constituir federações e confederações ou de filiar-se às já existentes, visando sempre aos fins que fundamentam sua instituição.

A tantas vezes invocada Convenção n° 87, cujo art. 8° da Constituição de 1988 impede a ratificação pelo Brasil consagra, no seu art. 2°, a liberdade sindical coletiva e a individual, enquanto, no art. 3°, trata da autonomia sindical.[15]

Outrossim, Cássio Mesquita Barros traz conceito similar afirmando que a liberdade sindical poderia ser dividida em três aspectos, tais como

A liberdade sindical coletiva, que é a liberdade de empregados e empregadores se unirem e formarem um sindicato, redigirem seus estatutos e estabelecerem seu programa de ação;

A liberdade sindical individual, que é o direito de todo empregado e de todo empregador de ingressarem ou de se desligarem do sindicato de sua escolha.

A autonomia sindical, que concebe o sindicato como senhor de suas deliberações, sem ingerências de forças estranhas.[16]

Complementando o autor que

Modernamente, pode-se dizer que qualquer que seja a perspectiva que se considere a liberdade sindical, certo é que existe, a respeito, um consenso favorável por parte de toda a comunidade internacional. A Assembleia Geral da ONU, em novembro de 1947, já definia a liberdade sindical como direito inalienável e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art.23, IV, sustenta a liberdade do trabalhador para criar sindicatos e aderir àquele que melhor atenda aos seus anseios.[17]

Portanto, diante de tais conceituações, pode-se entender, em suma, que a liberdade sindical seria referente ao direito de constituição de organizações, bem como a escolha por filiar-se ou não a elas, tanto pelos empregados quanto pelos empregadores, de acordo com a conveniência dos mesmos e de maneira espontânea, sem qualquer intervenção externa, seja do Estado ou de particulares, possuindo, ademais, uma esfera individual e coletiva.

A esfera individual seria referente à reunião de indivíduos de acordo com seus interesses, tendo estes a possibilidade de filiar-se às organizações de sua escolha. Já a coletiva seria equivalente à constituição dos sindicatos com total autonomia, estando todas as questões atinentes à estrutura, organização e atuação dos sindicatos a cargo dos indivíduos sindicalizados.

Importante ressaltar, ainda, que essa conceituação de liberdade sindical fracionada em liberdade individual/coletiva, positiva/negativa, ou até mesmo privada/pública, também é adotada por alguns juristas estrangeiros.

De acordo com o jurista espanhol Carlos Molero Manglano, a liberdade sindical estaria dividida em individual (positiva e negativa) e coletiva. Na liberdade individual positiva estariam presentes: o direito à promoção sindical, o direito de constituir sindicatos, o direito de filiação e à participação nas atividades sindicais. Já na liberdade individual negativa estariam presentes os direitos de desfiliação e abstenção. No que se refere à liberdade coletiva, esta englobaria as liberdades de regulamentação dos institutos, de representação, de autogestão, de dissolução e suspensão dos sindicatos, e, por fim, de federação.[18]

O jurista mexicano Euquerio Guerrero, seguindo tal linha de pensamento, trata da liberdade sindical no âmbito da filiação, desfiliação e possibilidade de escolha e criação de novos sindicatos, que, conforme a definição de Manglano acima mencionada, seriam direitos individuais decorrentes do princípio da liberdade sindical. O mesmo afirma que

Os homens amantes da liberdade sempre têm lutado para que se respeite o princípio da liberdade sindical, que se traduz em duas questões: deixar ao trabalhador a possibilidade de formar parte de um sindicato ou não, e respeitar o direito que tem para separar-se de um sindicato quando assim lhe convenha, ao que se agrega o direito do trabalhador de eleger, entre vários sindicatos o que preferir.[19]

Ainda considerando a definição de Manglano, especialmente no que se refere à mencionada esfera negativa da liberdade sindical, isto é, do direito de abstenção, pode-se observar que alguns autores tratam da liberdade sindical no sentido de que, nas relações de direito coletivo, os atos de sindicalização deveriam ser realizados de forma espontânea, e nunca por imposição estatal.

Nesta esteira, o jurista mexicano Mário de la Cueva, analisando a liberdade sindical no contexto da primeira Constituição Social da história, isto é, a Constituição Mexicana de 1917, afirma que

A Declaração de Direitos manteve-se fiel aos seus princípios, e, ao configurar as instituições do Direito Coletivo do Trabalho, respeitou o princípio da liberdade os homens e de suas associações: a organização do sindicato e seu direito à negociação e à contratação coletivas são aos livres, ou, em outras palavras: o Estado não pode impor aos trabalhadores a sindicalização nem os obrigar a negociar e a contratar coletivamente. Uma forma resume excelentemente essas ideias: a sindicalização é um direito, mas nunca um dever. [20]

Nesse mesmo sentido, o jurista italiano Gino Giugni, tratando da liberdade sindical definida na constituição italiana, afirma que

o direito de organizar-se livremente, sancionado no texto constitucional, se explica, em primeiro lugar (pelo menos do ponto de vista do enquadramento histórico), como direito subjetivo público de liberdade, no sentido de inibir o Estado de realizar atos que possam lesar o interesse tutelado.[21]

Vale ressaltar que, no âmbito nacional, alguns autores também tratam do conceito de liberdade sindical no sentido de que, para a plena efetivação de tal liberdade, a atuação dos sindicalizados deveria ocorrer sem qualquer tipo de intervenção externa aos seus interesses.

O professor Eduardo Antonio Temponi Lebre define a liberdade sindical como sendo

o direito assegurado aos trabalhadores e empregadores de associarem-se livremente, constituindo sindicatos, os quais não poderão sofrer intervenções estatais ou privadas, com a finalidade de realizar interesses próprios.[22]

Da mesma maneira, Octavio Bueno Magano define que

Liberdade sindical é o direito dos trabalhadores e empregadores de não sofrerem interferências nem dos poderes públicos nem de uns em relação aos outros, no processo de se organizarem, bem como o de promoverem interesses próprios ou dos grupos a que pertençam.[23]

Ainda nesse sentido, Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira afirma que

o princípio da liberdade sindical engloba: o direito à livre constituição de sindicatos, sem autorização prévia do Estado; a liberdade de estabelecer os próprios estatutos; a impossibilidade das organizações serem dissolvidas ou suspensas por via administrativa; o direito de constituir federações e confederações, podendo, tanto as entidades de primeiro e segundo, grau filiarem-se a organizações internacionais.[24]

Evaristo de Moraes Filho, levando em consideração os diferentes aspectos decorrentes da liberdade sindical, também trata do assunto, afirmando que

A liberdade sindical constitui um feixe de liberdades, mas todas tendentes à plena realização da vida sindical, tendo em vista os objetivos que a informam e a orientam. A primeira manifestação de liberdade sindical é a que pertence ao indivíduo perante o estado e à própria entidade, isto é, a sindicalização não deve ser compulsória, podendo cada integrante da profissão entrar para o sindicato e dele sair à vontade. [25]

Oportuno destacar que Norberto Bobbio, ao tratar da liberdade sindical, associa a mesma à necessidade de liberdade política, vejamos:

A liberdade sindical não é senão princípio, uma aurora esplêndida a partir da qual não se pode antever meio-dia. Como pode sobreviver a liberdade sindical se não é a companhia da liberdade política? Como pode sobreviver sindicato livre sem o partido livre ou o partido livre no sistema não-pluralista? E como pode se desenvolver um sistema político pluralista sem eleições livres ou eleições Livres em uma imprensa livre? E se nas eleições livres o partido dominante obtivesse pequena margem de votos favoráveis, como não é difícil prever?[26]

De acordo com Bobbio, tal liberdade corresponderia a um princípio que apenas pode alcançar sua plenitude se acompanhado de uma real liberdade política, isto é, uma liberdade sem intervenções por parte do Estado.

Ademais, o jurista Sergio Pinto Martins traz um conceito de liberdade sindical como sendo

O direito dos trabalhadores e empregadores de se organizarem e constituírem livremente as agremiações que desejarem, no número por eles idealizado, sem que sofram qualquer interferência ou intervenção do estado, nem uns em relação aos outros, visando a promoção de seus interesses ou dos grupos que irão representar. Essa liberdade sindical também compreende o direito de ingressar e retirar-se dos sindicatos. A liberdade sindical, significa, pois, os trabalhadores e os empregadores se associarem, livremente, a um sindicato. Todo aquele que tiver interesse profissional ou econômico a ser discutido poderá reunir-se num sindicato. Para que haja autonomia e liberdade sindical, é preciso que exista uma forma de custeio da atividade das entidades sindicais, o que deveria ser feito por intermédio de contribuições espontâneas dos filiados e não por intermédio de contribuições compulsórias. Seria, por exemplo, a mensalidade dos sócios e a contribuição decorrente do custo da negociação coletiva.[27]

Vale mencionar que, Sergio Pinto Martins, ao tratar da imprescindibilidade de espontaneidade das contribuições sindicais, fez referência à extinta compulsoriedade da contribuição sindical, considerando o caráter compulsório como fator que impossibilitaria a plena efetivação da liberdade sindical, conforme será analisado ao longo do presente estudo.

Ressalte-se, outrossim, a definição de Mozart Victor Russomano, na qual o autor, ao fazer referência a uma das facetas da liberdade sindical, menciona o sistema de pluralidade sindical como fator inerente à plena concretização de tal liberdade, o mesmo afirma que

Se os institutos jurídicos podem ser representados geometricamente, diremos, de início, que a liberdade sindical uma figura triangular. Na verdade, ela é formada, conceitualmente, de três partes distintas, que se tocam nas extremidades, dando-nos ideia de um perfeito triângulo jurídico. Não se pode falar em liberdade sindical absoluta sem se admitir que exista, em determinado sistema jurídico, sindicalização livre, autonomia sindical e - em nosso juízo - pluralidade sindical. Por outras palavras: a liberdade sindical pressupõe a sindicalização livre, contra a sindicalização obrigatória; a autonomia sindical, contra o dirigismo sindical; a pluralidade sindical, contra a unicidade sindical. É essa a posição adotada pela grande maioria dos escritores estrangeiros, inclusive Rouast e Paul Duran, na França. Não foi outra a razão pela qual, na Itália, Ferrucio, Pergolesi e Francesco Santoro-Passarelli definiram-na com uma 'liberdade complexa'. Se tomarmos a liberdade sindical no seu conceito mais amplo, necessariamente encontraremos, no fundo desse instituto, aquelas três ideias básicas, sem as quais não existe liberdade plena, nem para o sindicato, nem para os trabalhadores que nele encontram os pulmões da sua vida profissional.[28]

Diante de tais definições observa-se que a liberdade sindical pode ser analisada não apenas por um viés mais amplo/genérico, mas também em relação a cada um de seus aspectos (individual, coletivo, positivo, negativo, entre outros), conforme entendimento da maioria dos conceitos aqui analisados.

Nesse sentido, especialmente em relação à liberdade de filiação, desfiliação, criação e escolha dos sindicatos mais convenientes pelos indivíduos, o sistema de unicidade sindical, imposto por meio de lei, mostra-se totalmente incompatível com a liberdade sindical.

Desse modo, entende-se que a mencionada definição trazida por Russomano, ao considerar a pluralidade sindical como condição sine qua non para efetivação da liberdade sindical, coaduna com o entendimento aqui exarado, isto é, de que o sistema de unicidade sindical adotado atualmente no Brasil (entenda-se aqui "adotado" por meio de imposição legal), é um dos principais óbices à efetivação da liberdade sindical no país, motivo pelo qual, na realidade contemporânea, entende-se que o ordenamento jurídico pátrio prevê uma forma mitigada de liberdade sindical.


Conceito de liberdade sindical adotado pela Constituição Federal de 1988

O ordenamento jurídico brasileiro vigente trata da liberdade sindical no artigo 8º da Constituição Federal de 1988, vejamos:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.[29]

Entende-se que o próprio caput do artigo 8º da Constituição Federal, por si só, já prega o princípio da liberdade sindical, estabelecendo, contudo, alguns fatores limitadores desta.

É possível analisar a liberdade sindical prevista no artigo supramencionado sob alguns aspectos: 

  • liberdade de formação, que seria a possibilidade de criação de sindicatos sem intervenção do Estado [30]; 
  • liberdade de autogestão, sendo as associações sindicais consideradas entidades autônomas, sendo vedada, outrossim, qualquer intervenção estatal em relação à sua organização e atuação[31]; 
  • liberdade de filiação, sendo esta última referente à liberdade individual de cada um para escolher filiar-se ou não a um sindicato, pautada, outrossim, no princípio da legalidade.[32]

O inciso I do artigo em análise veda expressamente a interferência estatal nas organizações sindicais, consagrando, portanto, a liberdade de formação e o caráter autônomo, de autogestão, das organizações sindicais. Nesta esteira, Maristela Basso e Fabricio Polido afirmam que este

estabelece um dever de abstenção do Estado - em seus três poderes - em relação a atos, condutas e práticas que coloquem em risco a vida da organização sindical (atos de interferência e intervenção), bem como sinaliza ao legislativo e ao executivo os limites constitucionais quanto à elaboração de normas em matéria trabalhista e sindical.

Assim, nenhum ato normativo pode pretender introduzir exigências ou requisitos para a criação, constituição de organizações sindicais no ordenamento brasileiro, salvo a hipótese de registro no órgão competente (no caso, o Ministério do Trabalho).[33]

Observa-se, ademais, que os incisos III, VI, VIII e VIII, bem como o parágrafo único do mencionado artigo, cuidaram de tratar de prerrogativas, deveres, e possibilidades de atuação dos sindicatos como representantes dos trabalhadores, conferindo, outrossim, status de igualdade entre as relações de trabalho urbanas e rurais. Denota-se, assim, por meio do texto dos mencionados dispositivos legais, a preocupação do legislador em garantir aos sindicatos poder de representação e, em última análise, a busca pela ampliação da proteção dos trabalhadores e da própria atividade sindical.

Ressalte-se, outrossim, que o inciso V do artigo em questão consagra a liberdade de associação positiva e negativa, isto é, poderiam os indivíduos optar por filiar-se ou desfiliar-se das organizações sindicais a qualquer tempo e de acordo com suas escolhas, sem qualquer ônus. Nesse sentido, estaria tal disposição legal estritamente relacionada com o artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal.[34]

Importante ressaltar que, no que diz respeito à liberdade de filiação, exercida de acordo com o livre arbítrio dos cidadãos, esta seria apenas limitada por eventuais disposições previstas em lei. Deste modo, em tese, tal liberdade de filiação seria absoluta, isenta de quaisquer limitações.

No entanto, como será aprofundado nos próximos artigos, a atual liberdade sindical brasileira encontra-se mitigada, tendo em vista que, de forma contraditória, os incisos II e IV do mencionado artigo 8º estabelecem limitações que afrontam sobremaneira tal liberdade, quais sejam o sistema de unicidade sindical e a contribuição sindical que, por muitos anos, possuiu caráter compulsório.


Conteúdo originalmente publicado no Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho pelo Ibmec-SP (27.04.2020), intitulado:

A EFETIVAÇÃO DA PLENA LIBERDADE SINDICAL NO BRASIL E O ÓBICE DO SISTEMA DE UNICIDADE SINDICAL

Autoria de Helen Rodrigues de Souza, Advogada e Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Cursando Pós-Graduação latu sensu em Direito Previdenciário.



Referências:

[1] BARROS, Cássio Mesquita. Pluralidade, Unidade e Unicidade Sindical. Coordenador: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito Coletivo do Trabalho: estudos em homenagem ao ministro Orlando Teixeira da costa. Estudos em homenagem ao ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: Ltr, 1998. p. 78.

[2] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Capítulo III - Dos Princípios do Direito do Trabalho: Princípios constitucionais fundamentais e gerais do direito do trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2020.

[3] Disponível em: 

https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_239608/lang--pt/index.htm

[4] BARROS, Cássio Mesquita. Pluralidade, Unidade e Unicidade Sindical. Coordenador: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito Coletivo do Trabalho: estudos em homenagem ao ministro Orlando Teixeira da costa. Estudos em homenagem ao ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: Ltr, 1998. p. 78-79.

[5] PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de direito material do trabalho. p. 670-691.

[6] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017, p. 1245.

[7] SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores nos locais de trabalho. p. 29

[8] AVILÉS, Antonio Ojeda. Compêndio de Derecho Sindical. Madrid: Tecnos, 1998, p.34.

[9] URIARTE, Oscar Ermida. Liberdade sindical: normas internacionais, regulação estatal e autonomia. In: TEIXEIRA FILHO, João de Lima (Coord.). Relações coletivas de trabalho: estudos em homenagem ao ministro Arnaldo Sussekind. São Paulo: LTr, 1989. p.250.

[10] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 2º ed. São Paulo: LTr, 2000, p.139-140

[11] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 3º ed. São Paulo: LTr, 2003,, p. 140-141.

[12] RUPRECHT, Alfredo J. Relações Coletivas de Trabalho, p. 86.

[13] STURMER, Gilberto. A Liberdade Sindical: na constituição da república federativa do brasil de 1988 e sua relação com a convenção 87 da organização internacional do trabalho. na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e sua relação com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 150.

[14] STURMER, Gilberto. A Liberdade Sindical: na constituição da república federativa do brasil de 1988 e sua relação com a convenção 87 da organização internacional do trabalho. na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e sua relação com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 37

[15] SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002, p.527.

[16] BARROS, Cássio Mesquita. Pluralidade, Unidade e Unicidade Sindical. Coordenador: FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Curso de Direito Coletivo do Trabalho: estudos em homenagem ao ministro Orlando Teixeira da costa. Estudos em homenagem ao ministro Orlando Teixeira da Costa. São Paulo: Ltr, 1998. p. 89.

[17] Idem.

[18] MANGLANO, Carlos Molero. Derecho Sindical. Madrid: Editorial Dykinson, 1996.

[19] GUERRERO, Euquerio. Manual de Derecho del Trabajo. 13ª ed. México: Porrua, 1983. p. 298

[20] CUEVA, Mário de la. Panorama do Direito do Trabalho. Porto Alegre: Sulina, 1965, p.143.

[21] GIUGNI, Gino. Direito Sindical. São Paulo: LTr, 1991, p.47

[22] LEBRE, Eduardo Antonio Temponi. Direito Coletivo do Trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1999, p.45.

[23] MAGANO, Octávio Bueno. Organização Sindical Brasileira. 1981. ed. São Paulo: Ltr, 1981. 204 p.

[24] OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de. A Universalidade do princípio da Liberdade Sindical. Revista da Faculdade de Direito da UFSC. Porto Alegre: Síntese, v.1, p.45.

[25] MORAES FILHO, Evaristo de. MORAES, Antonio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 618.

[26] BOBBIO, Norberto. As Ideologias do Poder em Crise. Brasília: UNB, 1999. p. 92.

[27] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas. 1999, p. 581.

[28] RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios Gerais de Direito Sindical. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 54-66.

[29]Disponível em:

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

[30] Art. 8 º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical.

[31] Idem.

[32] Art. 8 º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

V - Ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.

[33] BASSO, Maristela; POLIDO, Fabrício B. P. A Convenção 87 da OIT sobre a liberdade sindical de 1948: recomendações para a adequação do direito interno brasileiro aos princípios e regras internacionais do trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 3, p.191, jul./set. 2012 Disponível em: <https://hdl.handle.net/20.500.12178/34308>.

[34] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;


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